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Cap.10.2 - Rega por Gravidade

10.2.1 - Conceitos Básicos

O método de rega por gravidade é um dos processos de que se dispõe para distribuir a  água às plantas.  Neste método, a  água é canalizada para as cabeceiras de pequenos canais em terra, chamados - sulcos -, ou de uma determinada parcela - faixas -, previamente adaptados ao regadio. Após a sua entrada, a  água escoar-se-á,   pela acção da gravidade, no sentido dos pontos de cotas mais baixas.

A  água é normalmente fornecida a uma das cabeceiras da parcela, por intermédio de regadeiras em terra, ou de tubos. Ao entrar nas faixas a  água espraia-se por toda a largura da mesma, de modo a permitir uma boa uniformidade de distribuição em todos os seus pontos.

Durante o escoamento, há  uma parte da  água que se vai infiltrando no solo. Nestas condições, inicialmente o caudal tem tendência a diminuir no sentido de jusante.

Contudo, como a infiltração vai decrescendo com o tempo de permanência da  água no mesmo ponto, se o caudal de entrada na faixa, ou no sulco, permanecer constante, o escoamento e a sua profundidade terão tendência a aumentar gradualmente com o tempo de rega.

Se o comprimento das faixas, ou dos sulcos, for demasiado grande, o escoamento tem tendência a diminuir com o tempo de rega, tendência essa que é, tanto maior quanto maior for a taxa de infiltração dos solos, ou seja, quanto mais arenosos eles forem.

Em qualquer destas variantes e suas subvariantes, a rega normalmente processa-se com a entrada da  água numa das cabeceiras até que atinja a outra extremidade do sulco, ou da faixa. A partir desse momento, e consoante a variante em causa, o escoamento sai para fora da parcela, ou acumula-se nesta, no caso de a sua extremidade estar bloqueada.

Esta operação continua até que seja dada a dotação total de rega. A partir desse momento, a entrada da  água é fechada e o volume de  água acumulado no sulco, ou na faixa, escoa-se no sentido de jusantes. À medida que tal acontece, a água vai desaparecendo da superfície do solo no sentido de montante para jusante.

Ao desaparecimento da  água da superfície do solo, após esta ter sido fechada na entrada, chama-se normalmente - recessão -, em oposição ao fenómeno de avanço da  água no sulco, ou na faixa, no início da rega, normalmente designado por - avanço.

A recessão da  água continuará  até ter atingido o fim da faixa, ou do sulco. Nesse momento, a água desaparecerá da superfície do solo e a rega considera-se terminada.

Durante a rega, e à medida que a  água avança, há  uma parte desta que se vai infiltrando no solo. A quantidade de água que se infiltra vai aumentando durante a rega, embora, e tal como se viu no Cap.3, a uma taxa cada vez menor, até se atingir um estádio tal que se pode considerar praticamente constante, normalmente designado por - infiltração básica.

Percebe-se  assim facilmente que, durante a rega, os pontos situados mais próximo da entrada da  água estarão em contacto com esta durante mais tempo o que fará  com que a quantidade aí infiltrada seja maior que nos pontos situados na extremidade oposta.

Devido a este facto, e para que os pontos situados na zona oposta à entrada da  água recebam a quantidade de  água necessária para satisfazer a dotação total de rega, haverá certamente pontos em que a quantidade de  água entrada no perfil do solo ultrapassará  a zona considerada para exploração das raízes. O excesso de  água que ultrapassa essa zona é considerado como perda de água por infiltração profunda.

Quanto maiores forem essas perdas menor será a eficiência associada ao método de rega (Fig.10.2.1).

 

fig10 2 1

Figura 10.2.1 – Esquematização da rega por gravidade em planta (cima/esquerda), em perfil durante a fase de avanço (cima/direita) e no final da rega (baixo)

 

No sentido de diminuir essas perdas, e consequentemente, aumentar a eficiência de rega, a evolução na rega de superfície tem caminhado no sentido de tentar que todos os pontos ao longo do sulco, ou da faixa tenham o mesmo - tempo de oportunidade -, ou seja, tenham o mesmo tempo de infiltração.

Nos pontos seguintes analisar-se-ão alguns mecanismos que poderão ser utilizados com esse fim.

Para tentar clarificar os diversos termos usados neste tipo de rega definir-se-ão seguidamente alguns dos conceitos mais generalizados, de acordo com BASSET et al 1981, MERRIAM 1976 e 1978, e WALKER e SKOGERBOE 1987, BURT 1995 e com a ajuda do diagrama apresentado na Fig.10.2.2:

Fases da rega

  • Avanço - é o espaço de tempo que corresponde ao avanço da  água desde a fronteira superior até à inferior.
  • Armazenamento - corresponde ao espaço de tempo entre o fim da fase de avanço e o tempo de corte da entrada de  água no sulco ou na faixa.
  • Depleção - corresponde ao espaço de tempo entre o fim da fase de armazenamento e o início da fase de recessão.
  • Recessão - corresponde ao espaço de tempo que medeia entre o início do desaparecimento da  água nas fronteiras superior e inferior

Fronteiras da parcela a regar

  • Superior - parte superior da parcela a regar por onde a  água é normalmente introduzida.
  • Inferior - parte inferior da parcela a regar, situada no extremo oposto à entrada da  água, por onde se verifica o escoamento terminal, quando existe.

Movimento da  água

  • Frente de avanço - corresponde à linha de fronteira entre as superfícies molhada e seca quando se processa o avanço da  água numa zona inicialmente livre de água.
  • Frente de recessão - corresponde à linha de fronteira entre as superfícies livre de  água e molhada quando se processa a recessão da água.
  • Taxa de avanço - é a velocidade com que a frente de avanço se move ao longo da superfície do solo.
  • Taxa de recessão - é a velocidade com que a frente de recessão se move ao longo da superfície do solo
  • Taxa de entrada - caudal entrado através da fronteira superior para a parcela a regar.
  • Taxa de saída - caudal saído através da fronteira inferior da parcela a regar.

 

fig 10 2 2

Figura 10.2.2 – Diagrama elucidativo dos principais termos usados em rega por gravidade

 

Tempos de rega

  • Tempo de avanço - Tav - tempo entre o início da admissão de água à parcela e o momento em que a frente de avanço atinge o final da mesmas.
  • Tempo de recessão – tempo entre o início da rega e o início do desaparecimento da água da superfície do terreno
  • Tempo de aplicação - Ta - tempo durante o qual a  água está  a entrar na parcela a regar.
  • Tempo de oportunidade - To - tempo durante o qual em cada ponto a  água tem oportunidade para se infiltrar.
  • Tempo de rega - Tr - tempo necessário para que a  água esteja em cada ponto a fim de que a mesma se infiltre na quantidade suficiente para satisfazer a dotação total de rega.
  • Tempo de corte de admissão de água à parcela Tcr – Tempo entre o início da admissão de água e o seu corte
  • Tempo de depleção - Td –Tempo entre o corte de admissão de água à parcela e o início da recessão

Infiltração

  • Curva de infiltração acumulada - Icum – curva que relaciona a quantidade de  água infiltrada ao longo do tempo (ver Cap.3).
  • Curva de infiltração - curva que relaciona a quantidade de  água infiltrada com a distância percorrida

Eficiência e uniformidade da rega

  • Eficiência real de aplicação - Era – eficiência real verificada na aplicação da  água nas parcelas dada pela eq.(10.2.1), ou seja, é a razão entre a quantidade mínima de água armazenada no perfil do solo explorado pelas raízes e a quantidade média de  água aplicada (mede a eficiência do uso do método de rega pelo regante).

 equacao10 2 1

  • Eficiência potencial de aplicação - Epa - eficiência que devia ser obtida na aplicação da  água, por um determinado método de rega, se ele estivesse a ser usado correctamente (mede a capacidade do método de rega).

Representa a relação entre a quantidade mínima de  água armazenada no perfil do solo explorado pelas raízes, quando este valor é igual ao défice de gestão permissível e a quantidade média de  água aplicada. Pode ser determinada pela eq.(10.2.2):

equacao10 2 2

  • Uniformidade de distribuição - UD - indica a uniformidade da infiltração da  água durante a rega. Representa a razão entre a quantidade mínima de  água infiltrada e a infiltração média de água verificada.

 

equacao10 2 3

A quantidade mínima de  água armazenada, ou infiltrada, referida nas eq.(10.2.1) a (10.2.3) é normalmente considerada como o valor médio dos valores mais baixos registados e correspondentes a 1/4 da área da parcela.

  • Coeficiente de uniformidade - CU – representa uma medida estatística da uniformidade das quantidades de água captadas (infiltradas), expressa em termos de altura, numa série de pequenas  áreas de igual dimensão dentro da área de rega. Pode ser definida com a altura média menos o desvio médio a dividir pela altura média:

 

equacao10 2 4

Durante a fase de implementação de um projecto de rega por gravidade, há  determinados parâmetros que irão variar ao longo da operação rega. Sobre eles, o regante terá  que tomar atenção, a fim de os ajustar às necessidades do momento.

Contudo, há  outros que têm que ser analisados antes do estabelecimento do projecto, pois são eles que vão definir as condições de instalação e de operação. Entre eles, poder-se-ão referir: a dotação de rega (quantidade de  água aplicada), o caudal de entrada, o declive da parcela, o coeficiente de rugosidade e as características de infiltração da  água no solo.

A dotação de rega é normalmente expressa em termos de altura média de  água uniformemente distribuída sobre a parcela de terreno, tendo em conta a capacidade de armazenamento do solo para a água e a sua gestão, em termos de produção.

O caudal de entrada representa as características do escoamento à entrada da parcela na sua fronteira superior. Assim, se a rega for efectuada pelo método das faixas, o caudal de entrada é expresso em m3/s e por unidade de largura da faixa, ou seja, em m2/s.

Nestas condições, a regadeira de abastecimento da faixa deve proporcionar um múltiplo do caudal de entrada em função da largura da faixa. Se a rega for efectuada por sulcos, ou regos, o caudal de entrada é expresso em caudal por sulco, ou seja, em m3/s por sulco, ou em L/s por sulco.

O declive da parcela deve ser uniforme ao longo desta e tanto pode ser positivo, ou seja, descer no sentido da fronteira superior para a inferior, como ser igual a zero. Nestas condições, a parcela é horizontal.

O declive da parcela depende, assim, da variante que se considera mais ajustada ao terreno.

Na rega por faixas, considera-se normalmente que o declive desta, no sentido normal ao escoamento, deve ser igual a zero.

O coeficiente de rugosidade expressa a resistência da superfície do terreno ao escoamento, tal como se definiu no Cap.6.

A selecção do coeficiente de rugosidade depende, no caso da rega por gravidade, não só da rugosidade do terreno, mas também, nos casos em que tal se verifique, da resistência da vegetação. A selecção deste coeficiente é difícil, pois ele vai depender de vários factores.

BASSET et al 1981 aconselha, contudo, que a escolha do coeficiente deva ser feita com bom senso, e dependente da experiência.

As características de infiltração da  água no solo necessitam de ser conhecidas previamente, pois são elas que vão influenciar, em grande medida, o dimensionamento do método de rega escolhido.

Como foi dito anteriormente, a finalidade da rega é aplicar a dotação de rega ao solo. Esta aplicação da  água deve ser feita tendo em conta a taxa com que o solo a pode absorver, pois, se a taxa de aplicação for superior à taxa de infiltração, uma parte da  água escoar-se superficialmente para fora da parcela, e consequentemente, perder-se-á.

ÍNDICE

10.2 - Rega por Gravidade   745

10.2.1 - Conceitos Básicos. 745

10.2.2 – Componentes do sistema de Rega por Gravidade. 749

10.2.3 - Variantes da Rega por Gravidade. 749

10.2.3.1 - Rega por Bacias. 750

10.2.3.1.1 - Introdução. 750

10.2.3.1.2 - Aplicabilidade. 751

10.2.3.1.3 - Vantagens. 751

10.2.3.1.4 - Limitações. 751

10.2.3.1.5 - Princípios Básicos de Dimensionamento. 751

10.2.3.1.5.1 – Considerações gerais. 751

10.2.3.1.5.2 - Práticas Culturais. 753

10.2.3.2 - Rega por Faixas. 755

10.2.3.2.1 - Introdução. 755

10.2.3.2.2 - Aplicabilidade. 756

10.2.3.2.3 - Vantagens. 757

10.2.3.2.4 - Limitações. 757

10.2.3.2.5 - Princípios Básicos de Dimensionamento. 757

10.2.3.2.5.1 – Considerações gerais. 757

10.2.3.2.5.2 - Práticas Culturais. 757

10.2.3.3 - Rega por Sulcos. 757

10.2.3.3.1 - Considerações Gerais. 757

10.2.3.3.2 - Aplicabilidade. 757

10.2.3.3.3 - Vantagens. 757

10.2.3.3.4 - Limitações. 757

10.2.3.3.5 - Sistemas Intermitentes. 757

10.2.3.3.6 - Sistemas de Movimento Contínuo. 757

10.2.3.3.7 - Princípios Básicos de Dimensionamento. 757

10.2.3.3.7.1 - Considerações Gerais. 757

10.2.3.3.7.2 - Práticas Culturais. 757

10.2.3.3.7.3 - Reutilização da Água. 757

10.2.3.3.7.3.1 - Considerações Gerais. 757

10.2.3.3.7.3.2 - Tipos de Dimensionamento. 757

10.2.3.4 - Rega do Arroz. 757

10.2.3.4.1 - Considerações Gerais. 757

10.2.3.4.2 - Fases da Rega do Arroz. 757

10.2.3.4.3 – Práticas culturais. 757

10.2.3.4.3.1 - Organização da Rega. 757

10.2.3.4.3.2 - Alimentação dos canteiros. 757

10.2.3.5 - Rega por Curvas de Nível 757

10.2.3.5.1 - Considerações Gerais. 757

10.2.3.5.2 - Aplicabilidade. 757

10.2.3.5.3 - Vantagens. 757

10.2.3.5.4 - Limitações. 757

10.2.3.5.5 - Princípios Gerais de Dimensionamento. 757

10.2.4 – Princípios Básicos de dimensionamento. 757

10.2.4.1 – Introdução. 757

10.2.4.2 – Método do Balanço de Volume. 757

10.2.4.3 – Infiltração. 757

10.2.4.3.1 – Considerações Gerais. 757

10.2.4.3.2 - Determinação dos parâmetros – a (k) e n – da equação de infiltração usando o método do balanço de volume  757

10.2.4.4 – Coeficiente de resistência. 757

10.2.4.5 – Tempo de rega. 757

10.2.4.5.1 – Considerações gerais. 757

10.2.4.5.2 - Cálculo do Tempo de oportunidade – To 757

10.2.4.5.2 - Cálculo do Tempo de Avanço - Tav 757

10.2.4.5.3 - Cálculo do Tempo de corte de admissão de água à parcela – Tcr 757

10.2.4.6 - Comprimento do sulco/faixa. 757

10.2.4.7 – Declive. 757

10.2.4.8 – Aplicação numérica. 757

10.2.5 – Configurações de dimensionamento. 757

10.2.5.1 - Sistemas com escoamento terminal 757

10.2.5.1.1 - Introdução. 757

10.2.5.1.2 – Critérios de dimensionamento. 757

10.2.5.1.3 – Aplicação numérica. 757

10.2.5.2 - Sistemas com terminal bloqueado. 757

10.2.5.2.1 - Introdução. 757

10.2.5.2.2 – Critérios de dimensionamento. 757

10.2.5.2.3 – Aplicação numérica. 757

10.2.5.3 - Sistemas com escoamento terminal mas alimentados com duplo caudal (“cut-back”) 757

10.2.5.3.1 – Introdução. 757

10.2.5.4 - Sistemas com recuperação e reutilização dos caudais escoados no terminal 757

10.2.5.4.1 – Introdução. 757

10.2.5.4.2 – Critérios de dimensionamento. 757

10.2.5.4.2.1 - Uso da água noutra parcela de onde provém o escoamento captado  757

10.2.5.4.2.2 - Uso da água na mesma parcela de onde provém o escoamento captado  757

10.2.5.4.3 – Aplicação numérica. 757

10.2.5.5 - Rega do arroz. 757

10.2.5.5.1 - Considerações gerais. 757

10.2.5.5.2 - Método de Dimensionamento. 757

10.2.5.5.2.1 - Equações Gerais de Dimensionamento. 757

10.2.5.5.2.2 - Equações Específicas. 757

10.2.5.5.2.2 - Aplicação Numérica. 757

10.2.6 - Conclusões  757